Resenhas


RESENHA
WEST, Cornel. O dilema do intelectual negro. In: WEST, Cornel. The Cornel West: reader. Nova York: Basic Civitas Books, 1999, p. 302-315 [Tradução e notas de Braulino Pereira de Santana, Guacira Cavalcante e Marcos Aurélio Souza]

Por Naionara Maia Souza
(estudante de Letras)



Cornel Ronald West (Oklahoma, 1953) é filósofo, autor, crítico, ativista de direitos civis. Atualmente leciona no Centro de Estudos Afro-Americanos na Universidade de Princeton (New Jersey, EUA).

O seu texto, o dilema do intelectual negro, é dividido em 07 tópicos. O primeiro, Tornando-se um intelectual negro, traz a dificuldade que tem sido para os negros vir a ser intelectuais, seja por prazer individual, por influência ou para ser bem sucedido financeiramente. O autor destaca três argumentos que justificam sua fala:

a)Somente agora os negros norte-americanos tem tido oportunidades para tanto (embora estas não sejam explícitas nem fáceis), visto que os limites entre intelectuais brancos e negros estão mais claros, dadas as políticas de enfrentamento lançadas pelos negros (movimento Black Power, por exemplo), o conflito israelo-palestino e a invisibilidade da África no discurso norte-americano;

b)A diminuta presença negra em jornais liberais de maios circulação e naqueles de esquerda ou em publicações acadêmicas de vanguarda, nas quais, a atuação poderia e deveria ser mais expressiva, porém não é o que ocorre. Sua explicação para isso é o abismo existente entre os intelectuais negros e a vida intelectual norte-americana;

c)Por fim, os negros letrados tem se voltado para suas próprias pesquisas e interesses, reforçando assim, na prática, a separação entre intelectuais brancos e negros.

Os intelectuais negros não tem produzido material para seu povo. Não há um jornal negro de circulação nacional, nem mesmo um jornal acadêmico negro. Desde a Guerra Civil, nunca se percebeu uma carência tão gritante em termos de qualidade e quantidade de produção assinada por um estudioso negro. Para West, isto pode ser considerado uma tragédia e é o preço que os negros vêm pagando por limitarem seus grupos dentro de uma comunidade acadêmica fragmentada e na recusa dos intelectuais negros em impor, consolidar e fortificar seus argumentos de crítica e autocrítica.

No segundo tópico, Intelectuais negros e a comunidade negra, o autor mostra propriedade quando diz ser esta relação estremecida, principalmente pelo não respeito e apoio da comunidade negra de classe média. Há, entre eles, a impressão de que os intelectuais se acham superiores a outras pessoas não consideradas intelectuais, além disso, os estudiosos parecem não querer “se misturar” com a vida cultural afro-americana. Fatos que ratificam sua fala é o alto índice de casamentos inter-raciais, a aquisição por parte dos estudiosos de produtos euro-americanos e o abandono destes às instituições e espaços negros.

O autor mostra dois possíveis modelos nos quais podem se encaixar os intelectuais negros: os bem-sucedidos (geralmente distantes da comunidade negra da qual provieram) e os mal-sucedidos (frustrados por não fazerem parte do mundo branco nem se aceitar como ainda pertencentes ao discurso afro-americano). Os dois modelos estão distantes da comunidade negra, porém há grandes intelectuais que ficaram incólumes a tais armadilhas, tais como W.E.B. Du Bois (Massachusetts,1868-1963), St Clair Drake (Virgínia, 1911-1990), Ralph Ellison (Oklahoma, 1914 – 1994) e Toni Morrison (Lorain, 1931).

Cornel West sugere ainda duas tradições de intelectuais orgânicos pertencentes à comunidade americana: a tradição da pregação cristã negra e a tradição musical performática. Ambas de caráter oral e religioso, que, nem de longe são superadas por outras tradições. Isto porque os intelectuais pertencentes às tradições mencionadas têm canais, espaço e público para que neles se sustentem e se proliferem seus discursos, suas conquistas e suas atividades.

Já no terceiro tópico, O modelo burguês: o intelectual negro como humanista, Cornel West mostra que quem dita a qualidade da produção negra é a elite branca. Os negros estão sempre preocupados com a aprovação/reprovação da academia branca e consequentemente ficam na defensiva, sentindo a necessidade de pensar e escrever seguindo paradigmas burgueses. Uma pressão que influencia e, muitas vezes, determina o conteúdo desta produção. Esta afirmação teve sustentação tempos depois com a publicação de escritos de intelectuais negros aceitos enquanto professores acadêmicos de faculdades da elite branca.

O modelo burguês de educação, apesar de ser ridicularizado pelos negros e muitas vezes oprimi-los e marginalizá-los, é quem os legitima. Ele leva os negros a depender deste modelo, pleiteando titulação suficiente para concorrer em seleções, produzir jornais e pequenos periódicos e participar mais significativamente dos espaços brancos para assim, participar também das atividades intelectuais.

No quarto tópico, ele nos fala sobre o modelo marxista (Karl Marx, Alemanha, 1818-1883), que se opõe ao burguês, satisfaz as necessidades negras pelo prestígio social que lhes fornece, pelo engajamento político necessário e por lhe colocar envolvido na organização da sociedade. Entretanto, faz dos negros apenas coadjuvantes e não atores principais da sua coletividade. Tanto é verdade que, mesmo o modelo marxista proporcionando uma consciência crítica, garantindo formação de lideranças, é um modelo debilitado. Até o final dos anos 60, os estudiosos negros não tinha produzido nenhuma grande obra de cunho marxista voltada à comunidade negra.

Já o modelo foucaultiano (Michel Foucault, França, 1926-1984), descrito no quinto tópico, recusa o modelo burguês e ignora o modelo marxista. É um modelo que exige que o intelectual seja específico, que mergulhe nas políticas econômicas culturais, meche com as dificuldades pelas quais vivem os negros, como o alto índice de xenofobia e a partir dessa reflexão, defina sua auto-imagem e seu papel na contemporaneidade.

Como West explana no sexto tópico, esses três modelos não contemplam à especificidade que é a comunidade negra. Para ele, esta singularidade permanecerá até que o movimento negro perceba a importância de criar um novo “regime de verdade”, que atenda às suas necessidades, chamado por Cornel de “modelo insurgente”. Nesse sentido, o novo vai absorver o que de melhor há nos modelos já mencionados: do burguês, o esforço heróico e a herança humanística, privilegiando o trabalho coletivo intelectual; do marxista a formação de classes e os valores democráticos; do foucaultiano, o ceticismo mundial e o entendimento da relação poder/conhecimento. Estará aliada estas características a base na história e na vida afro-americana com elementos da miscigenação que os formam (culturas americana, europeia e africana).

Para finalizar o seu texto, o crítico reafirma as dificuldades do intelectual negro, mas diz que este não precisa, por causa delas, ser melancólico nem desanimado. Este estudo por ele feito deve servir de crítica auto-reflexiva e, por isso, incentivadora. Afinal de contas, o futuro do intelectual negro reside “numa negação crítica, numa preservação inteligente e numa transformação insurgente” que, certamente, tornará o mundo um espaço de todos independente da cor da pele.


RESENHA
HOOKS, Bell. Intelectuais negras. Dossiê mulheres negras. Estudos feministas. [Tradução de Marcos Santarrita]
Por Glauce Souza Santos
(estudante de Letras)

Bell Hooks1 em seu texto Intelectuais Negras, discute sobre a importância do trabalho do intelectual, sobretudo os causadores da desvalorização das intelectuais negras e os seus dilemas.
Inicialmente ela afirma que numa sociedade fundamentalmente anti-intelectual, é difícil para os intelectuais comprometidos e preocupados com mudanças sociais radicais afirmar o impacto significativo dos seus trabalhos. Segundo ela, é esta desvalorização do trabalho intelectual que torna difícil para indivíduos que vem de grupos marginalizados considerarem este trabalho uma atividade útil.
Diante de uma infância perseguida Bell Hooks afirma ter valorizado o trabalho intelectual porque oferecia recursos para intensificar a sobrevivência e o prazer de viver. A sua opção de se voltar para o trabalho intelectual está relacionado ao objetivo de sobreviver a uma infância dolorosa. A mesma acreditava que era a partir desta opção que ela entenderia a sua realidade e o mundo em volta. Sendo assim, afirma que nunca pensou no trabalho intelectual como de algum modo divorciado da política do cotidiano.
Ainda sobre a opção de tornar-se intelectual, Hooks dialoga com Cornel West que afirma “A opção de tornar-se um intelectual é um ato de auto-imposta marginalidade”. Segundo ela, na maioria dos casos esta opção pode remontar a uma raiz comum: uma experiência tipo conversão religiosa comum professor ou colega que o influencia.
Hooks acredita no trabalho intelectual como uma parte necessária da luta pela libertação. Porém, compreende que a subordinação sexista na vida intelectual negra continua a obscurecer e desvalorizar a obra das intelectuais. Neste sentido, não deixa de criticar a falta de discussão do impacto dos papéis sexuais e sexismo no ensaio O Dilema do Intelectual Negro – escrito por Cornel West. Segundo ela, o momento histórico em que foi escrito o ensaio favorecia esta discussão, pois, havia na época um enfoque feminista.
Segundo Bell Hooks, muito pouco se escreveu sobre intelectuais negras e quando a maioria dos negros pensa em grandes mentes, quase sempre vem a imagem de homens. Ela justifica essa invisibilidade afirmando que é ao mesmo tempo em função do racismo, do sexismo e da exploração de classe institucionalizados, e um reflexo da realidade de que grande número de negras não escolhem o trabalho intelectual como sua vocação.
Em seu texto, Hooks se baseia no ensaio Crítica, Ideologia e Ficção de Terry Eagleton, que apresenta o intelectual não apenas como alguém que lida somente com ideias, mas, alguém que lida com ideias transgredindo fronteiras discursivas; alguém que lida com ideias em sua vital relação com uma cultura política mais ampla.
Hooks pontua que a negação às mulheres a oportunidade de seguir uma vida da mente é atuação do patriarcado capitalista com supremacia branca. Por isso acredita que só através da resistência efetiva é possível exigir o direito de afirmar uma presença intelectual.
A autora também discorre sobre a construção dos estereótipos voltados ao corpo feminino negro, o que o categoriza em termos culturais, como bastante distante da vida mental. Outro dilema apresentado no texto é sobre a dificuldade de fazer do trabalho intelectual uma prioridade essencial, segundo a autora, é responsável por isso a socialização sexista inicial que ensina às negras que o trabalho mental tem de ser sempre secundário aos afazeres domésticos, ao cuidado dos filhos, ou a um monte de outras atividades servis.
Hooks pontua também a crítica feita por West em O Dilema do Intelectual Negro, sobre os modelos burgueses de vida intelectual que a concebem só em termos individualistas ou elitistas, e oferece como alternativa o modelo da “insurgência”. Ao confessar que grande parte do trabalho intelectual se realiza em isolamento, logo questiona como podem as negras enfrentar a escolha do isolamento necessário sem entrar no modelo burguês? Por isso apresenta a diferença que há entre o isolamento exercido pelo homens e pela mulher. Assim, ela afirma que para sentir que temos direito a um tempo solitário, as negras, devem romper com as ideias sexistas/racsitas sobre o papel da mulher e a descolonização da sua mente parece ser fundamental para se tornar uma intelectual.
Segundo Bell Hooks a política do patriarcado torna a situação dos intelectuais negros diferente da das negras, pois embora eles enfrentem o racismo, não enfrentam os preconceitos de gênero. Hooks ainda pontua o paradigma oferecido por West que permite uma ênfase em acabar com o sexismo e a opressão sexista como uma condição prévia para a insurgência intelectual do negro. Segundo ela, haverá maior estímulo para que as jovens estudantes escolham caminhos intelectuais quando comunidade negras diversas enfocarem os problemas de gênero e o trabalho de estudiosas for lido e discutido mais amplamente nesses lugares.
Hooks acredita que o trabalho intelectual pode nos ligar a um mundo fora da academia, aprofundar e enriquecer nosso senso de comunidade. E é essa ideia que ela afirma querer compartilhar com as jovens negras temerosas de que o trabalho intelectual nos aliene do mundo “real”.
Portanto, conclui orientando as intelectuais negras comprometidas com práticas insurgentes a reconhecer o apelo para falar abertamente sobre a vida intelectual e sobre o trabalho como forma de ativismo. Pois, segundo ela, quando o trabalho intelectual surge de uma preocupação com a mudança social e política radical, quando esse trabalho é dirigido para as necessidades das pessoas, nos põe numa solidariedade e comunidade maiores e enaltece fundamentalmente a vida.


1 bell hooks é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, escritora norte-americana nascida em 25 de setembro de 1952, no Kentucky – EUA. O apelido que ela escolheu para assinar suas obras é uma homenagem aos sobrenomes da mãe e da avó. O seu texto é assinado com letra minúscula, opção da própria autora.



"Introduzindo o intelectual gay" de Braulino 
Pereira de Santana

Jeanne Cristina Barbosa Paganucci
(Estudante de Letras da UESB, campus Jequié)

O artigo de Braulino Pereira de Santana “Introduzindo o intelectual gay” se debruça, inicialmente, sobre a imprecisão do que seja o trabalho do intelectual: suas atividades, funções, discursos, além da desconfiança que paira a respeito desses profissionais. Sabe-se que a figura do intelectual há muito é apresentada e estudada. A respeito dela, o professor aponta três modelos de entendimento, pelos quais se interessa mais: a)Intelectuais como uma profissão, tomando a leitura de Luís Costa Lima; b) Intelectuais cuja função principal é a de escrever, tendo como referência o pensamento de Bobbio e c) Intelectuais ideólogos e expertos, segundo a nomenclatura de Said: os ideólogos fornecem princípios-guia (valores, ideais, princípios) e os expertos, conhecimentos técnicos.

A partir desses modelos, propõe descrever as expressões daqueles que podem ser chamados os últimos intelectuais da história: os intelectuais gays. Esses, segundo ele, precisam lidar com desejos estigmatizados (de “segunda classe”) e ter coragem para viver e publicar além do circulo de amigos e afetos, mesclando sua vida pessoal com sua atividade intelectual.

O autor entende que o intelectual gay escreve em filiações as quais fazem parte a rotina dos intelectuais mais difundidos, entretanto também aponta filiações “marginais” à Bobbio, Said e Costa Lima. Enfatiza que as sociedades letradas não detém as atividades intelectuais e que o trabalho escrito pode ser realizado por sociedades ágrafas ou por iletrados, entendendo a existência de outra realidade para a camada popular marginal desempenhando funções semelhantes aos médicos e aos psicólogos: como as mães de santo, as rezadeiras e os curadores. Neste aspecto, a atividade intelectual gay seria os discursos de variadas nuances, identificados também de forma marginalizada como "cultura homossexual".

Braulino Santana aponta duas fases da atividade intelectual homossexual, realizada no Brasil. A primeira com surgimento do intelectual carioca João do Rio (começo do século) e sua interferência no cenário público a respeito do universo homossexual, similar a militância política, até os anos cinqüenta. A segunda fase (1959) com a publicação de José Fábio Barbosa da Silva, na revista Sociologia, a respeito dos aspectos sociológicos da homossexualidade em São Paulo. Esse último trabalho vem romper barreiras da apropriação das identidades homossexuais pelo viés heterocêntrico (medicina, psicologia, moral, justiça) no meio acadêmico.


Atualmente os escritores que se destacam são: João Silvério Trevisan (escritor), Denílson Lopes (professor universitário), Luís Mott (professor aposentado da UFBA). Nesse sentido, destaca o escritor João do Rio como um marco emblemático da intelectualidade gay no Brasil.

Outra figura importante apontada pelo professor é João Paulo Coelho Barreto, carioca (1881), cronista do Jornal Cidade do Rio, pioneiro nas técnicas de trabalho jornalístico, produzindo textos, por exemplo, do tema do homossexualismo em terreiros de candomblé. Nesse contexto, observa a ideia do babalorixá como primeiro intelectual gay da história. Nesta perspectiva, o estudioso afirma que João do Rio encarou a obstinação da intelectualidade letrada da época (boa parte) e que, a partir dos anos cinqüenta, com José Fábio da Silva, os homossexuais enfrentam questões pertinentes a intrigas e a a constituição de identidades. 


João do Rio teve vida curta e deixou um legado literário e artístico, sendo, portanto um marco, justamente por seu prestígio literário e militância em torno da homossexualidade, responsável pela criação de neologismos e mudança de paradigmas relativos aos intelectuais homossexuais.

O estudioso faz importante referência a pesquisa de José Fábio cujo estudo focalizou a comunidade gay de São Paulo (anos 50), numa defesa de monografia, pós-graduação da USP (orientada por Florestan Fernandes, defendida numa banca composta por Fernando Henrique Cardoso e pelo sociólogo Octavio Ianni), pesquisa pioneira no tratamento do tema homossexualidade. Essa pesquisa versa sobre a metodologia do tema, a socialização do homossexual, aspectos da vida homossexual, relações amorosas e afetivas, aspectos socioeconômicos e personalidade do grupo pesquisado.

A partir dessa descrição, Braulino entende que a pesquisa de José Fábio tem valor por várias razões: o homossexual lida com o tema; a inovação em retirar a homossexualidade da concepção unicamente pseudo-cientifica ou da área psicológica/psiquiátrica; utiliza métodos de pesquisas sociais; explora fronteiras antes nunca adentradas; associa comportamento gay e forma de resistência (coesão de grupo); abordagem científica e isenta de preconceitos; estudo comparativo; levantamento a respeito da violência que abate a comunidade gay. José Fábio da Silva fugiu da ditadura no Brasil (1964), e hoje é professor da Universidade de Notre Dame (EUA).

Braulino Santana afirma que João Silvério Trevisan talvez seja um dos intelectuais gays contemporâneos mais relevantes com sua publicação (anos 80) “Devassos no paraíso, a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade” (2002). Este trabalho marca a trajetória da temática homoafetiva do Brasil colônia, em uma sociedade paternalista, a estilo de “Casa Grande e Senzala”. Reconstitui os modos de pensar e conceber a homossexualidade na história brasileira. Trevisan escreve para a Sui Generis(antiga revist) e a G Magazine, desnudando comportamentos dos homossexuais brasileiros contemporâneos. A maneira de perceber as relações homoeróticas sofreu, segundo Braulino, mudanças profundas, a partir de João do Rio, José Fábio, Luís Mott, Denilson Lopes e João Silvério Trevisan.

Braulino acredita que a produção dos intelectuais gays está associada a experiência homossexual/individual/íntima e, mais do que isso, ao papel que desempenha na sociedade. Assim, na contemporaneidade, os intelectuais gays no Brasil aparecem em diversas publicações e participações, herdando, inclusive, o “elastecimento” de estudos homossexuais que, sob a nomenclatura americana da cultura queer, descreve modos/vivências e incoerências dos gays no contexto atual.

A partir desse contexto social, o autor enfatiza a contribuição gay relativa à denúncia à repressão à sexualidade e trangressões no que tange ao papel de gênero. Neste sentido, cita a escritora Marilene Felinto, a qual acredita que utilizou o termo exato ao observar a modificação da forma de pensar a homossexualidade do olhar gay sobre gays.

O autor conclui que a figura de João do Rio foi e é importante para a leitura da identidade intelectual gay masculina, bem como os movimentos homossexuais de massa, abrindo um leque para possíveis leituras por e para homossexuais. O artigo de Braulino Pereira trabalha a trajetória do intelectual gay no Brasil com seriedade e reflexão, aliada a uma solidez com que observa a realidade gay intelectual existente na contemporaneidade, seriamente envolvida na questão social e na produção literária.



LITERATURA E ESTUDOS CULTURAIS

    POR JUÇARA ALMEIDA MOREIRA
(Estudante de Letras)

Jonathan Culler, em seu texto Literatura e Estudos Culturais, apresenta como os estudos culturais surgiram e se desenvolveram nas últimas décadas do século passado, a partir de uma complexa relação transdisciplinar, especialmente com os estudos literários. O autor expõe as mudanças de paradigmas no contexto atual nas academias e fora delas com a chegada dos estudos culturais e o interesse por produções contemporâneas que tem como temática central a vida cotidiana e a cultura de massa, ao mesmo tempo em que potencializa para leitura e releitura de clássicos tradicionais da literatura mundial.
Para Culler, o campo dos estudos culturais é tão abrangente que fica difícil o definir tal como acontece com a teoria literária. Segundo ele, estes dois campos andam juntos, apesar das discussões que vêm sendo levantadas a respeito das possibilidades de os estudos culturais “engolirem os estudos literários”. O autor elenca ainda, que o trabalho realizado pelos estudos culturais depende “profundamente dos debates teóricos sobre sentido, identidade, representação e agencia”. Ou seja, para ele não será possível entendermos teoria como algo distante dos estudos que trazem sentido para as questões culturais e literárias.
Historicamente, os estudos culturais tem se constituído enquanto interferência, ação ou intervenção, no sentido de dar voz a produções academicamente e socialmente marginalizadas. Seja pelo viés estruturalista com o francês Ronald Barthes, ou pela influencia da teoria literária marxista na Grã-Bretanha, segunda metade do século passado, a ambição destes estudos era promover “breves leituras” de atividades culturais e situações da vida cotidiana.
Culler menciona que, os estudiosos Raymond Williams e Richard Hoggar, britânicos, praticante dos estudos culturais “buscou recuperar e explorar uma cultura operária popular, que havia sido perdida de vista à medida que a cultura era identificada com alta literatura”. Assim, fica evidente que as questões nas quais os estudos culturais tem se debruçado nas ultimas décadas, consiste em fazer-se perceber a cultura popular, e, sobretudo, mostrar como esses indivíduos historicamente “manipulados” pelas forças culturais impostas pela alta cultura, apesar de enquadrados neste padrão, e conformados com a situação, constroem suas identidades de sujeitos, a partir de suas práticas culturais.
O referido autor afirma que as relações estabelecidas entre os estudos culturais e os estudos literários, “é um problema complicado”, já que, teoricamente os estudos culturais têm suas origens nos estudos literários, mas precisamente “em oposição aos estudos literários, tradicionalmente estabelecidos.”, e os estudos literários tendem a sair ganhando com a aplicação de análise cultural a obras literárias, “portanto, não há necessidade de haver conflitos entre os estudos culturais e os literários.” De acordo com o discurso apresentado no texto assim, como a teoria revigorou o cânone literário, trazendo novas formas e possibilidades de se ler ”grandes obras”, da literatura mundial, especialmente inglesa e norte-americana, também os estudos culturais, potencializam a leitura de obras, até então consideradas “menores”, pela alta crítica.
E é neste contexto, partindo de estudos de textos generalizados e historicamente negligenciados, que o conceito de cânone e de excelência literária, vem sendo discutidos dentro e fora dos espaços acadêmicos. Conforme o autor, o modelo de leitura feito pelos “estudos culturais, são atraídos pela ideia de uma relação direta, na qual os produtos culturais são o sintoma de uma configuração sociopolítica subjacente.”, Outra consideração relevante a cerca dos estudos culturais presente no texto, é o fato de, alguns praticantes destes estudos como os editores de “Cultural Studies” creditar que “o trabalho sobre a cultura atual seja uma intervenção na cultura ao invés de meras descrições”. Para ele, um ponto relevante, porém um tanto “presunçoso, para não dizer ingênuo”, já que os estudos culturais acreditam que seu trabalho intelectual abre as possibilidades para se fazer à diferença e não que “fará a diferença”.
Conclui-se que, o grande projeto dos estudos culturais apresentado neste capítulo, é constituir-se enquanto prática e não apenas como teoria, pelo contrario, estes estudos fazem uma crítica à alta teoria. É um estudo feito pelo intelectual que se coloca dentro do mundo e no movimento de construção e desconstrução, através da regularidade e irregularidade comportada pela cultura. E uma tentativa de repensar o humano através de construções coletivas e individuais que resultam em produtos culturais.

CULLER, Jonathan. Teoria Literária: Uma Introdução. Trad. Sandra Guardini T. Vasconcelos. São Paulo: Beca, 2001.






A CRISE NA TEORIA E OS ESTUDOS CULTURAIS 

POR: JOABE SOUZA ANDRADE
                                                   (estudante de Letras/UESB)

Eneida Maria de Souza, em seu texto “A teoria em crise”(2007), discute a crise pela qual passa a crítica literária atualmente. Essa crise se efetiva em decorrência a um fenômeno que vem ganhando grande projeção no campo dos estudos litérarios, esse fenômeno vem sendo denominado “estudos culturais”. 
 
Os estudos culturais são apenas uma forma de estudar a cultura de maneira mais ampla, não se prendendo aos dogmas acadêmicos , transcendendo os limites da teoria literária e almejando atingir a cultura de massa e a cultura popular.

Eneida ver com bons olhos essa abertura do debate e a utilização dos meios de comunicação em massa, que estão levando pouco a pouco a uma fusão entre as chamadas cultura popular , cultura de massa e cultura erudita:

Nada mais saudável do que essa abertura ao debate, no qual intelectuais se vêem na obrigação de se posicionarem frente a tais questões, no lugar de preferirem continuar apáticos no seu gabinete, reservando-se o direito de expressão apenas ao ambiente de sala de aula. (Souza, 2007, p.65)

Mas nem toda a crítica literária compartilha do mesmo otimismo de Eneida. Para boa parte dos estudiosos literários, os estudos culturais de origem anglo-saxônica e, atualmente, desenvolvidos nos EUA, estariam ameaçando os estudos literários, corrompendo o objeto de análise e distorcendo a teoria da literatura.

A mudança do centro produtor de saberes ligados a ciências humanas - da Europa para EUA - contribuiu para o aumento da resistência contra os estudos culturais, antigas correntes reacionárias temem que o imperialismo e a politica cultural extremamente globalizadas dos americanos venham a expandir essa nova forma de compreensão cultural.

Essa “cruzada” movida pela crítica literária contra os estudos culturais, elegeu a interdisciplinaridade como a grande vilã da história. Segundo essa crítica, a interdisciplinaridade, praticada sem observância de leis e de controle, transformaria-se em um novo gênero, em uma nova disciplina. Esse grupo conservador teme que o processo interdisciplinar e o estudo da cultura popular e de massa, venha a derrubar os antigos “canônes literários”, eleitos por uma critica elitista, que escolheu os escritores “brancos ocidentais” como objeto de culto e de análise.

Jonathan Culler, em seu texto: “Literatura e estudos culturais” (2001), relata que a própria teoria literária já foi vítima de uma acusação semelhante, quando ela estimulou a leitura de textos filosóficos e psicanalíticos ao lado das obra literárias. Segundo a crítica da época, a teoria estaria levando os alunos para longe dos clássicos, mas na pratica a teoria revigorou o cânone literário tradicional, abrindo a porta a mais maneiras de ler as “grandes obras” da literatura inglesa e norte americana.

Talvez a crítica conservadora seja imune a inovações e acaba criando uma barreira que impede a aceitação da cultura popular e de massa, sempre houve uma rejeição ao que se tornava popular e fugia dos padrões elitistas, taxando de subcultura tudo aquilo que viesse a ser consumido pelas massas. 
 
Um claro exemplo desse preconceito são os escritores brasileiros: Jorge Amado e Érico Veríssimo, esses autores apesar de serem os mais populares escritores brasileiros do século XX , com obras de valores literários tao importantes quanto os grandes clássicos de: Mario de Andrade, Machado de Assis, Guimarães Rosa, entre outros.., foram ignorados durantes décadas pela crítica elitizada e retrógrada, vitimas de preconceito pelo simples fato dos seus romances serem extremamente populares entre as “camadas populares”. A ‘elite intelectual” exige o privilégio do conhecimento só para si e não admite que as massas possam também usufruírem da boa leitura, sendo assim, para essa “elite” o que venha a ser consumido pela massa, não é digno de análise.

O que podemos observar com esse estudo, que os estudos culturais revigoraram apesar de tanta resistência) os estudos literários. Nunca se leu tanto, nunca escritores como Shakespeare, Hemingway, Bronte, Wilde, foram tão populares, e de nada serve tanto preconceito e conservadorismo contra os Estudos Culturais e a crescente globalização. Conceitos como multiculturalismo e pluralismo (para o bem ou para o mal) tendem a predominar durante um longo período.


Referências

CULLER, Jonathan. "Literatura e Estudos Culturais". In.: Teoria Literária: Uma introdução. Trad. Sandra Guardini T. Vasconcelos. São Paulo: Beca, 2001: p. 48-58.  

SOUZA, Eneida Maria de. "Teoria em crise". In.: Crítica cult. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007: p. 65-75.